31 juil. 2008

Um pé na Infância



Escrever sua voz é desenhar em L'Atalante, tudo mergulha dentro de ti, estás de vestido-nú, passar-inhos(alhos) amarelos navegam envolta das tuas amoras. - Mergulhado! Não sei nadar... Bato os braços lentamente:
afundando ... afogando ... Afagando ... amar
************************************* gura
************************************** n- Dm G Dm G F
Em teus labios m"eu" cor(ação).
Egon
****-ista.

Estevão Mabilia Meneguzzo

Ellen von Unwerth





Vlastimil Kula

Como membro das comunidade de fotógrafos, sinto-me ofendido pelo primitivismo ostentativo, pela luz péssima, ansiosa por mostrar todo e qualquer centímetro quadrado de pele, não permitindo um vislumbre de uma única sombra secreta. Por isso, decidi tentar por mim mesmo e descobri-me no meio de uma expedição pioneira. O meu objetivo primordial foi o de condimentar a anti-hipocrisia absoluta da pornografia com dinamismo, atmosfera, paixão e humor, recorrendo a todos os meios fotográficos, com exceção de truques baratos de romantismo. Quis fundir a arte total e verdadeira com o erotismo total.










Guimarães Rosa

Soneto da saudade

Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
Eternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!

Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.

Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.
***

Antonin Artaud


"POST SCRIPTUM"

Quem sou eu?
De onde venho?
Sou Antonin Artaud
e basta eu dizê-lo
como só eu o sei dizer
e imediatamente
verão meu corpo atual
voar em pedaços
e se juntar
sob dez mil aspectos
notórios
um novo corpo
no qual nunca mais
poderão
me esquecer.

Eros-sois-tu


Adorando
Nunca pensei ter entre as coxas um deus.

A castidade com que abria as coxas

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.

Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres

em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.

Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.
Drummond?


A língua lambe


A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
Drummond?

Deixa-me amar-te com ternura, tanto
que nossas solidões se unam
e cada um falando em sua margem
possa escutar o próprio canto.

Deixa-me amar-te com loucura, ambos
cavalgando mares impossíveis
em frágeis barcos e insuficientes velas
pois disso se fará a nossa voz.

Deixa-me amar-te sem receio, pois
a solidão é um campo muito vasto
que não se deve atravessar a sós
Lya Luft?





Poemas que não lembro o poeta.. Dicas... Por Favor.

(Portanto que ninguém se perturbe quando
eu pareço só e não estou só;
não deixo de ter companhia e falo por todos.

Alguém me ouve sem saber,
mas aqueles que eu canto, aqueles que sabem,
continuam nascendo e transbordarão o mundo.)
***

Amanhã amanhã amanhã amanhã
Rasteja em passo parco dia a dia
Até a última sílaba do Tempo.
E os ontens, todos, só nos alumiam
O fim no pó. Apaga, apaga, vela
Breve!
A vida é só uma sombra móvel.
Pobre ator
Que freme e treme o seu papel no palco
E logo sai de cena. Um conto tonto
Dito por um idiota — som e fúria, signi-
Ficando nada.
***

Fosse eu (que por acaso levo o nome
Da rara e prodigiosa espécie: o Homem)
Livre para escolher meu próprio curso,
A carne certa e o sangue natural,
Queria ser Macaco, Cão ou Urso,
Tudo menos o fútil Animal,
Tão orgulhoso de ser Racional.
***

Edward Fitzgerald

XXV
Ah, vem, vivamos mais que a Vida, vem,
Antes que em pó nos deponham também,
Pó sobre pó, e sob o pó, pousados,
Sem Cor, sem Sol, sem Som, sem Sonho — sem.

LXV
Inferno ou Céu, do beco sem saída
Uma só coisa é certa: voa a Vida,
E, sem a Vida, tudo o mais é nada.
A flor que for logo se vai, flor ida.

Edward Fitzgerald

Jules Laforgue

Espaço?
— A vida
Ida
Sem traço.

O amor?
— Seu preço:
Desprezo
E dor.

O sonho?
— Infindo,
É lindo
(Suponho).

Que vou
Fazer
Do ser
Que sou?

Isto,
Aquilo,
Aqui,
Ali.

Jules Laforgue

Ivan Junqueira é um passarinho



Minha mãe chorando no fundo da noite

rachou o silêncio do quarto adormecido.

Meu pai olhava o escuro e não dizia

[nada.

Um relógio preto gotejava barulho.

Lá fora o vento lambia as espáduas

[do céu.

Minha mãe chorando no fundo da noite
apunhalou o sono de Deus.

***

A sensação oca de que tudo acabou
o pânico impresso na face dos nervos
o solitário inverno da carne
a lágrima, a doce lágrima impossível…
e a chuva soluçando devagar
sobre o esqueleto tortuoso das árvores
***

E se eu disser

E se eu disser que te amo - assim, de cara,
sem mais delonga ou tímidos rodeios,
sem nem saber se a confissão te enfara
ou se te apraz o emprego de tais meios?
E se eu disser que sonho com teus seios,
teu ventre, tuas coxas, tua clara
maneira de sorrir, os lábios cheios
da luz que escorre de uma estrela rara?
E se eu disser que à noite não consigo
sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo?
Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro
em tua ausência - essa lâmina exata
que me penetra e fere e sangra e mata.
***

Talvez o Vento Saiba

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.

Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.

Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

Mário de Sá-Carneiro


Álcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo —
Luto, estrebucho… Em vão! Silvo pra além…

Corro em volta de mim sem me encontrar…
Tudo oscila e se abate como espuma…
Um disco de oiro surge a voltear…
Fecho os meus olhos com pavor da bruma…

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?…
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante —
Manhã tão forte que me anoiteceu.

Mário de Sá-Carneiro

Walt Whitman


Eu parto com o ar — sacudo minha neve branca ao sol que foge
Desfaço minha carne em redemoinhos de espuma,
Entrego-me ao pó para crescer nas ervas que amo;
Se queres ver-me novamente, procura-me sob teus pés.
Dificilmente saberás quem sou ou o que significo;
Não obstante serei para ti boa saúde
E filtrarei e comporei teu sangue.
E se não conseguires encontrar-me, não desanimes;
O que não está numa parte esta noutra
Em algum lugar estarei a tua espera.

Sun-Down Poem

Não só sobre ti caem as manchas escuras,
Também sobre mim lançou a escuridão suas manchas
O melhor do que eu fizera me pareceu vazio e suspeito,
Minhas grandes idéias, como eu as supunha, não eram na verdade fracas?
Nem é só tu quem sabe o que é ser mau,
Também eu atei o velho nó da discórdia.

Florbela em pedaços


Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Florbela Espanca


Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!
Florbela Espanca

Os dias são Outono: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
Florbela Espanca

Cinema

Krzysztof Kieslowski

Para falar a verdade, no meu trabalho, amor está sempre em oposição a tudo. Ele cria dilemas. Traz o sofrimento. Não podemos viver com isso, mas também não podemos viver sem. Raramente se encontrará um final feliz.


Akira Kurosawa

Cineastas, ou pessoas que criam coisas, são muito gananciosos e nunca podem estar satisfeitos. E é por isso que continuam trabalhando. Eu tenho trabalhado por tanto tento porque acho que da próxima vez vou conseguir fazer alguma coisa boa.


Federico Fellini

Se quisermos compreender alguma coisa, precisamos nos dedicar ao silêncio.


Tarkovsky


O Espelho (trecho)

- O quê?
- Tudo depende só dele.
- Tudo isto por causa de uma inflamação?
- Inflamação?
- É um caso normal.
- Normal?
- Morreu a mãe, a mulher, o filho... Mais uns dias, e o marido falece. Ainda que com saúde.
- Mas não morreu ninguém.
- E a memória? E os remorsos?
- Qual memória? Ele não tem culpa.
- Mas acha que tem.
- Deixem-me em paz!
- Disse alguma coisa?
- Deixem-me em paz! Eu só quis ser feliz.
- E o que acontecerá com sua mãe, se você não se levantar?
- Tudo será...
***

Meu Deus! Por que nós sempre fazemos ao contrário? Sempre.
Sempre amei um homem... e casei com outro.
Acho que entendi, agora. Não queremos depender de ninguém.
Quando duas pessoas se amam, é diferente.
Um é forte e o outro é fraco.
E sempre o mais fraco é quem ama mais... Sem restrição.
Agora parece que acordei de um sonho... como depois de uma vida.
Por alguma razão, sempre resisti. Sempre lutei contra algo. Sempre me defendi, como se eu tivesse... alguém dentro de mim me dizendo:
"Não ceda... não concorde com nada... ou morrerás".
Sim, entendi, mas um pouco tarde.
Oh, Deus! Como somos tolos!


Tarkovsky

Po-é-tas

Na longa alameda a luz aos pedaços cai
mole do alto dos postes. Ele olha.
Para que não doa, apenas olha.
Eucanaã Ferraz


A Troca Da Roda

Estou sentado à beira do caminho.
O condutor troca a roda.
Não gosto de estar lá de onde venho.
Não gosto de estar lá para onde vou.
Por que olho a troca de roda
Com impaciência?"
Brecht


Amour

Para que os teus dois seios sejam duas pombas brancas
e eu seja para ti o dono do pombal
para que o teu pombal seja nas tuas ancas
e eu o teu senhor matinal

Para que te a manhã te seja nos teus seios
e as tuas pombas brancas fiquem da cor de mulher
para que as tuas ancas já sejam as tuas ancas
e o teu pombal uma metáfora qualquer

Para que te eu o grão de todas as manhãs
de todas as manhãs a te distribuir
para que as tuas pombas voem do pombal
e todas as manhãs assim me distrair

Para que os teus dois seios as tuas pombas brancas
que o teu senhor há-de afagar
por ti e sobre ti e sobre as tuas ancas
o teu senhor te há-de amar.
António Gancho

Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.
Ezra Pound


“Era um homem tão inteligente
que já não servia para nada”
Lichtenberg


Dentre todas as Almas já criadas -
Uma - foi minha escolha -
Quando Alma e Essência - se esvaírem -
E a Mentira - se for -

Quando o que é - e o que já foi - ao lado -
Intrínsecos - ficarem -
E o Drama efêmero do corpo -
Como Areia - escoar -

Quando as Fidalgas Faces se mostrarem -
E a Neblina - fundir-se -
Eis - entre as lápides de Barro -
O Átomo que eu quis!
Emily Dickinson

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Florbela Espanca

Pier Paolo Passolini

É impossível saber que espécie de grito
é o meu: é verdade que é terrível
a ponto de desfigurar-me os traços
tornando-os semelhantes às fauces de uma besta,
mas também é de certa forma alegre,
a ponto de transformar-me numa criança.
(...)
Uma coisa é certa: seja o que for
que o meu grito possa significar,
destina-se a durar para além de qualquer possível tempo

Pier Paolo Passolini

Cruz E Sousa


Cavador Do Infinito

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!

Cruz E Sousa

Ingmar Bergman


A Paixão De Anna (Trecho)

- No quê está pensando?
- No câncer... e me aterroriza. E no que está pensando?
- Nada.
- Estou pensando nas mentiras.
- Que mentiras?
- Devemos fazer uma viagem para algum lugar. Devemos sair daqui. Fará bem a nós dois.
Ao mesmo tempo, uma muralha cresceu. Não posso dizer ou mostrar que estou feliz.
Sei que essa é você, mas não posso alcançá-la.
Estou do lado de fora da muralha. Me fechei do lado de fora.
Eu fugi. Agora estou muito distante...
Sei quão estranho parece.
- Sim, é estranho.

Maria Esther Maciel


CLANDESTINIDADE

Permanece em mim
como um segredo
e que ninguém escute
teu silêncio na minha boca
nem a linguagem de teus olhos
que em mim se inscreve
como poema

Torna-te clandestino
em meu país sem nome
e desenha em mim
o teu enigma
teu reverso
e teu verso sem tradução

Te exila em minha teia
me define com tua senha
perenizando em meu corpo
o teu mistério –
entre cortinas,
no refúgio exato dos lençóis.

Rainer Maria Rilke


Afasta-te de mim, ó hora
o teu adejar feridas em mim cria
só: que farei com a minha boca agora?
com a minha noite?
com o meu dia?

Amada não tenho, sem casa estou
sem qualquer lugar onde viver
todas as coisas às quais me dou
enriquecem e gastam o meu ser.

Rainer Maria Rilke

António Franco Alexandre


Não quero ser quem sou, é evidente;
antes monstro qualquer com ar de gente
do que este tronco de árvore daninha
onde repousam ninhos de fantasmas
e brilham finos dentes de duendes.
Antes ser, no ar frio, nuvem que voa
branca de não ser nada, para leste,
do que esta sombra humana que me deste
sem dimensão nem cor, nem sábia hipnose,
nem o fulgor vulgar dos ectoplasmas.
Na pele esburacada já deitaram
semente microscópicos venenos;
vou-me deixar levar, por mão de verme,
antes que à luz do dia possas ver-me.

António Franco Alexandre

Federico García Lorca


Ver-te despida é recordar a terra.
A terra lisa, limpa de cavalos.
A terra sem um junco, forma pura
ao futuro cerrada: confim de prata.

Ver-te despida é perceber a ânsia
da chuva a procurar um bébil talo,
ou a febre do mar de rosto imenso
sem encontrar a luz da sua face.

O sangue soará pelas alcovas,
chegará com espada fulgurante,
porém tu não saberás onde se esconde
o coração do sapo ou a violeta.

O teu ventre é uma luta de raízes,
os teus lábios, aurora sem contorno,
sob as cálidas rosas duma cama
os mortos gemem esperando turno.

Federico García Lorca

Rimbaud


No azul das tarde de verão,
irei pelos caminhos
tracejado pelos trigos,
pisar a erva tenra:
Sonhante, sentirei a meus pés a sua frescura.
Deixarei o vento banhar-me a cabeça nua.
Não falarei-pensarei em nada:
Mas um amor infinito subir-me-à na alma,
e eu irei longe, bem longe, como um cigano,
feliz pela Natureza,
na companhia da mulher sonhada.

Rimbaud

Jorge Luis Borges (1899/1986)

Jorge Luis Borges (1899/1986)


Olhar o rio que é de tempo e água
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sono
que sonha não sonhar e que a morte
que teme a nossa carne é essa morte
de cada noite, que se chama sono.

Ver no dia ou até no ano um símbolo
quer dos dias do homem quer dos anos,
converter a perseguição dos anos
numa música, um rumor e um símbolo,

Ver só na morte o sono, no ocaso
um triste ouro, assim é a poesia
que é imortal e pobre. A poesia
volta como a aurora e o ocaso

Às vezes certas tardes uma cara
Olha-nos do mais fundo dum espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela a nossa própria cara.

Contam que Ulisses, farto de prodígios
chorou de amor ao divisar Ítaca
verde e humilde. A arte é essa Ítaca
de verde eternidade e não prodígios

Também é como o rio interminável
que passa e fica e é cristal dum mesmo
Heraclito inconstante, que é o mesmo
e é outro, como o rio interminável.
***

Os Justos

Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sur jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acaricia um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão salvando o mundo.

Ana Hatherly e Sophia de Mello Breyner Andresen

Ana Hatherly


O que é que leva o meu barco
para esta praia
onde um poder esquivo
se contenta
com a ambígua oferta de palavras?

Estamos aqui
no exíguo barco de desejos
exibidos
na frágil singularidade do verbo

Insatisfeitos sempre
aguardamos
que se abram
as inpensáveis portas da ilusão.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Quero
nos teus quartos forrados de luar
onde nehum dos meus gestos faz barulho
voltar.
E sentar-me um instante
na beira da janela contar os astros
e olhando para dentro contemplar-te,
tu dormindo antes de jamais teres acordado
tu como um rio adormecido e doce
seguido a voz do vento e a voz do mar
subindo as escadas que sobem pelo ar.

Alexandre O'Neill


Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
de imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
quando a noite perde o rosto;
palavras que se recusam
aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
entre palavras sem cor,
esperadas inesperadas
como a poesia ou o amor.

( o nome de quem se ama
letra a letra revelado
no mármore distraído
no papel abandonado )

Palvaras que nos transportam
aonde a noite é mais forte,
ao silêncio dos amantes
abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill
**

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

Alexandre O'Neill

Luis de Camões

Erros meus, má fortuna, amor ardente
em minha perdição se conjuraram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava o amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
a grande dor das cousas que passaram,
que as magoadas iras me ensinaram
a não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
dei causa [a] que a fortuna castigasse
as minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse que fartasse
este meu duro génio de vinganças!

Luis de Camões

Heiner Miller

Peça Coração

UM: Posso pôr meu coração a seus pés.
DOIS: Se não sujar o meu chão.
UM: Meu coração é puro.
DOIS: É o que veremos.
UM: Eu não consigo tirar.
Dois: Você quer que eu ajude?
UM: Se não incomodar.
DOIS: Será um prazer para mim. Eu também não consigo tirar.
UM: Chora
DOIS: Vou operar e tirar para você. Pára que eu tenho um canivete. Vamos dar um jeito já. Trabalhar e não desesperar. Pronto - aqui está. Mas isto é um tijolo. Seu coração é um tijolo.
UM: Mas ele bate só por você.
***

Gostava que o meu pai tivesse sido um tubarão
e despedaçado quarenta pescadores de baleias
(e eu aprendido a nadar no seu sangue)
a minha mãe uma baleia azul o meu nome Lautréamont
falecido em paris
incógnito em 1871

Heiner Miller

Joan Brossa


O SOL DETIDO

O que fazemos? Aonde vamos?
De onde viemos?

Mas aqui tem uma caixa de lápis
de cor.

Joan Brossa

Wallace Stevens


Assim se move o vento :
como os pensamentos de um velho humano
que ainda pensa com fúria
e avidez.
Assim se move o vento :
como um humano sem ilusões
que ainda sente coisas irracionais dentro dela.
Assim se move o vento :
como humanos que orgulhosos se aproximam,
como humanos que em fúria se aproximam.
Assim se move o vento :
pesado e pesado, como um humano
que não se importa.

Wallace Stevens

Maiakovski

amar
é desfazer-se dos lençóis
que a insônia desarruma.
(Vladímir Maiakóvski)
*

Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.
Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.

Ressuscita-me

Talvez, quem sabe, um dia
Por uma alameda do zoológico
Ela também chegará
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa
Ela é tão bonita
Ela é tão bonita que na certa
eles a ressuscitarão
O século 30 vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
Tudo que não podemos amar na vida
Com o estrelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me
Ainda que mais não seja
Porque sou poeta e ansiava o futuro
Ressuscita-me
Lutando contra as misérias do cotidiano
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me
Quero acabar de viver o que me cabe
Minha vida
Para que não mais exista amores servis
Ressuscita-me
Para que ninguém mais tenha
De sacrificar-se por uma casa ou um buraco
Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja, pelo menos, o universo
E a mãe
Seja, no mínimo, a terra
A terra, a terra

Cecilia Meirelles


Atitude

Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.

Olavo Bilac


Ouvir Estrelas

- Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouví-las, muita vez desperto
E abro a janela, pálido de espanto.

E conversamos longo tempo, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Ainda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: - Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem quando estão contigo?

E eu vos direi: - Amai para entendê-las,
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas!

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci..

Estevão Mabilia Meneguzzo


Para Philip Larkin (ptFim.1)

Estanco o sorriso no rosto
Longe de você fico sem foco...
ótimo!
(...)

Para Philip Larkin (ptFIM) dedico: André Felix.

Des-(atento a menor) garra da mente
Voltei-me e beijei-me
Naturalmente, inclinei-me ao amor
Um misto de criança;
(...)
Chorei.

Para Philip Larkin (Duke´s Choice.pt4)

dai-me uma lambida?
Com está aspera lingua-inda.
Inaccuracy, as far as I'im concerned.
The trumpet's voice, Loud-ow and authoriative
Therefore I Stay outside
Miles fugiu...
(...)

Para Philip Larkin (Mingus-Duet Solo Dancer.pt3)

Ao pararmos de Estevão em Estevão
o sol constrói-rroi o interesse do que na sombra-ouca
ia morrendo, tornaste chuva?
(...)

Para Philip Larkin

Talvez não seja por mal mas é assim
Em especial para ti
Mas os juizos deles também foram fodidos
- Sorte!

Ricardo deu um presente
Brakhage m"eu" cerebe-do-ré-ló!
Cinco-quase-seis
Brakhage adormeceu-me!

Para Mario de sá Carneiro (pt;Fvogas)

Ai, como eu te queria toda de violeta
Agua fria e clara numa noite azul
Agua, devia o teu amor por mim.
Inigualavel

ultimum moriens

Pela fresta que não sabia
minha lingua passava e lambia
Do gozo frêmito da escuridão
todo o líquido que escorria

mi!
**nha!
******s.
Me!
***us.

Pernas corriam
por onde andava, Dulce?
Era o meio em agonia
Líquido M- ,
***********eu, bebia
Saciando assim
M.
**eu,
*****s finito olhar por v!
Sê, soubesse.
Saberias.
Que olhava fora do
mundoteu!

Fabricio Carpinejar


Não se come uma mulher, ela que se devora

As cartas de amor
deveriam ser fechadas
com a língua.
Beijadas antes de enviadas.
Sopradas. Respiradas.
O esforço do pulmão
capturado pelo envelope,
a letra tremendo
como uma pálpebra.
Não a cola isenta, neutra,
mas a espuma, a gentileza,
a gripe, o contágio.
Porque a saliva
acalma um machucado.

As cartas de amor
deveriam ser abertas
com os dentes.

Hildinha e Mícollis


Hilda Hilst

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
***

Dorme o tormento
O Eterno dorme suspenso
Sobre as idéias e inventos

Só eu não durmo
Pra te pensar.

Dormem perjuros
E vanidades e urnas
Dormem os medos
E califados e ventres
Dormem ardentes
Os loucos, pátios adentro

Só eu não durmo
Pra te pensar.

Dormem ativas
As dobradiças
De mil bordéis e conventos

E pêndulos dormindo ao tempo

Só eu não durmo
Pra te pensar.

E agora escura
Do jugo dos sentimentos
Irreversiva, suicida
Tateio aquele rochedo
Do ódio de desamar.
***

Tenho medo de ti e deste amor
Que à noite se transforma em verso e rima.
E o medo de te amar, meu triste amor,
Afasta o que aos meus olhos aproxima.

Conheço as conveniências da retina.
Muita coisa aprendi dos teus afetos:
Melhor colher os frutos da vindima
Que buscá-los em vão pelos desertos.

Melhor a solidão. Melhor ainda
Enlouquecendo os meus olhos, o escuro,
Que o súbito clarão de aurora vinda

Silencioso dos vãos de um alto muro.
Melhor é não te ver. Antes ainda
Esquecer de que existe amor tão puro.
***

Somos crianças nesta noite escura.
Tudo mais não sabemos.
Largas raízes maduras
Apressam nosso passo,
E é de amor e aço
O teu longo abraço em toda cintura.
Somos crianças nesta noite escura.
Morno rumor de sombras
E de folhas
Desfaz a rosa que eu te prometia
Temos olhos e sonhos.
E eu não sou aquele que o teu sonho pedia.
***

Ama-me é tempo ainda

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

Roteiro do Silêncio

Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.
Nas prisões e nos conventos
Nas igrejas e na noite
Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.

Os amantes no quarto
Os ratos no muro
A menina
Nos longos corredores do colégio
Todos os cães perdidos
Pelos quais tenho sofrido:
O meu silêncio é maior
Que toda a solidão
E que todo silêncio.

Prelúdios intensos para os desmemoriados do amor

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.

Amavisse

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
(II)

* * *
Descansa.
O Homem já se fez
O escuro cego raivoso animal
Que pretendias.
(Via Vazia - VIII)
* * *

Que canto há de cantar o que perdura?
A sombra, o sonho, o labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa, o grito.
Que mitos, meu amor, entre os lençóis:
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível

E o que eu desejo é luz e imaterial.
Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?

Passeio

...Lenta será minha voz e sua longa canção.
Lentamente se adensam essas águas
Porque um todo de terra em mim se alarga.

E de constância e singeleza tanta,
Meus mortos hoje sobre um chão de linhos
Por algum tempo guardarão meu ritmo
Nos ouvidos da terra. De granito.
Pude aclarar a sombras nos oiteiros
E aquecer num sopro o vento da tarde.
Mas não vereis ainda meus prodígios
Porque haverá lideiras neste outono
E vossos olhos estarão por lá
Desocupados do sono, extremados
Para uma só visão num só caminho.



Leila Mícollis

Poema ao Mais Recente Amor

Estar entre teus pêlos e dedos,
entre tua densidade,
neste transpirar sob medida
aos teus gemidos.
Estar entre teus trópicos,
entre o teu desejo e o meu prazer;
beber parte de teus líquens e teus rios
percorrendo-te da foz até a origem,
e pura a cada amor partir mais virgem.

Asger Jorn











Asger Jorn Oluf (3 de março de 1914 - 1 de maio de 1973) foi um dos membros fundadores da Internacional Situacionista, e um artista prolífico e ensaísta. He was born in Vejrum , in the northwest corner of Jutland , Denmark and baptized Asger Oluf Jørgensen . Ele nasceu em Vejrum, na esquina noroeste da Jutlândia, Dinamarca e batizado Asger Oluf Jørgensen. In 1946 he changed his name into Asger Oluf Jorn . Em 1946 ele mudou seu nome em Asger Jorn Oluf.

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